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A cidade é o locus da aglomeração e é uma das maiores invenções do homem. A sociedade deixou de ser nômade para criar cidades, verticalizou construções e quando se viu limitada nessa verticalização inventou o elevador. A limitação da oferta de espaço, levou a um espraiamento e as periferias passaram a ser povoadas. Em função dos empregos estarem concentrados nesse lugar central e uma parcela da população precisar se deslocar ao trabalho diariamente, transportes públicos foram criados.

Em linhas gerais, morar em grandes aglomerações implica em ter altos custos associados ao deslocamento pendular (casa-trabalho), elevado índice de congestionamento, excessivo custo do metro quadrado em áreas centrais, altas taxas de criminalidade, etc., mas, ainda assim, as pessoas decidem por morar nos grandes centros devido à oferta de bens e serviços, que demandam escala para serem ofertados, como hospitais de referência, grandes universidades, aeroportos, produção cultural, shoppings, marcas específicas, etc., e, principalmente, aos empregos. Isso demonstra que os benefícios da aglomeração são maiores que os custos associados, ou seja, saldo positivo.

Atualmente, a pandemia do novo coronavírus adiciona mais um custo na vida em aglomerações: transmissão de um vírus que pode ser letal. A proximidade entre pessoas, que até então auferia à sociedade um benefício líquido positivo, agora reverte essa relação entre custo e benefícios. Partindo desse novo efeito direto e/ou indireto, diversas empresas já têm falado em deixar permanentemente o escritório e migrar para o estilo de trabalho home office.

Duas perguntas surgem nesse momento quando se pensa em Economia Urbana: 1) Teria o Covid-19 revertido o efeito líquido da aglomeração, tornando o custo maior que o benefício de uma vez por todas? 2) Ou seria essa uma reversão de curto prazo em um contexto que a tecnologia ainda não foi dominada pela sociedade, no caso, o combate ao novo coronavírus?

Aglomeração e a nova formatação do emprego têm sido debatidos nessa época de pandemia. Os dois temas se tangenciam tanto numa dimensão macro quanto microeconômica, sendo o mercado de trabalho a ponte entre as duas dimensões.

Em uma avaliação macroeconômica, estudos sobre o impacto da aglomeração no mercado de trabalho ao redor do mundo apontam para o efeito positivo sobre os salários. Economistas dessa área afirmam que esse prêmio salarial não é negligenciável, seja quando se compara cidades, regiões metropolitanas ou áreas intraurbanas. O estudo[1] intitulado Subcentralidades e Prêmio Salarial Intraurbano na Região Metropolitana de São Paulo, aponta que o retorno salarial é ampliado entre 0,03-1,89% quanto maior a densidade de trabalhador/Km². Esse efeito é reduzido quanto mais distante o trabalhador estiver da aglomeração. O trabalho ainda aponta que a média de emprego naquela região passou de 340 vínculos formais/Km² em 2002, para 2.291 em 2014. A taxa de crescimento da densidade de emprego foi de 673%, enquanto o crescimento do emprego formal na região metropolitana foi de 180%, no mesmo período. Esses dados demonstram que os empregos nascentes se colocam próximos aos locais já adensados, corroborando o efeito positivo da aglomeração.

Aglomeração de empregos na RMSP (2002 e 2014)

GRÁFICO1
GRÁFICO2

A decisão de uma mudança permanente do modo de produção localizado em escritórios para home office alteraria a densidade de empregos. Por consequência, os centros de negócios tenderiam a se esvaziar e, então, o prêmio salarial derivado do contato entre trabalhadores reduziria ou deixaria de existir, a depender do tamanho desse espraiamento. Impactos indiretos também ocorreriam: redução do número de restaurantes, redução de oferta de meios de transporte, etc.

Esse ponto abre espaço para uma avaliação microeconômica da transição para o home office: produtividade individual do trabalhador e rotatividade no mercado de trabalho.

A produtividade individual do trabalhador pode ficar comprometida pelo ruído na comunicação, por exemplo. Estudo conduzido por Mahdi Roghnizad e Vanessa Bohn publicado no Journal of Experimental Social Psychology sugere que a comunicação tem 34 vezes mais chance de ser bem-sucedida no contato cara a cara quando comparada à comunicação escrita.

Outra questão relevante é que a produtividade medida neste momento por departamentos de RH pode não representar a realidade do trabalho home office. A conjuntura macroeconômica é de crise e muitas pessoas têm perdido seus postos de trabalho. Neste contexto, os trabalhadores seriam mais propensos a fazer mais esforço. Esse comportamento pode não ser observado em um cenário com mercado de trabalho mais aquecido, que fornece maior poder de barganha ao trabalhador e, por consequência, espaço para ações oportunistas. O trabalhador poderia aumentar sua busca média por empregos acima do que faria quando comparado a um ambiente que existem olhares dos seus pares sobre as suas ações e que precisasse de autorização ou de justificativa para faltar ao emprego para ir à entrevista, por exemplo. Assumindo que o empregador desenvolva mecanismos de controle contra esse oportunismo, custos adicionais entrariam no passivo dessas empresas.

Outra questão relevante diz respeito à absorção de parcela do custo da empresa. É certo que o home office significa redução de custos em função da menor demanda por áreas em prédios comerciais, menores custos associados à manutenção, energia e água, não pagamento de vale-transporte, etc. O que é incerto é se o trabalhador aceitaria a socialização desses custos no pós-Covid-19, assumindo um ambiente de mercado de trabalho mais favorável a ele. Caso o trabalhador não esteja disposto, tem-se mais uma frente de risco às empresas: ampliação de rotatividade do trabalhador e, por consequência, custos adicionais relativos à contratação e a treinamentos.

Todos os riscos associados à reversão completa de um ambiente de trabalho tradicional (escritório) para um ambiente de relativa liberdade (home office) põem em xeque a produtividade que emana da proximidade entre pessoas e o monitoramento natural que apenas a socialização no mesmo espaço confere.

Voltando às perguntas feitas acima. Se a pandemia do novo coronavírus tiver revertido os ganhos da aglomeração espacial, a sociedade se deparará com uma transformação da paisagem e da economia urbana. Haveria uma adoção completa do home office e um processo de espraiamento tanto das empresas quanto das famílias que impactaria os salários médios, os preços de venda e aluguel de imóveis corporativos e residenciais, a demanda por transporte e o deslocamento pendular. Os shoppings centers e comércios especializados que são formados em aglomerações para reduzir o custo de deslocamento também estariam sob reavaliação.

Caso essa pandemia não seja capaz de alterar todo o estoque de aprendizado e lucros auferidos da proximidade espacial, a resposta à segunda pergunta é que o distanciamento social é de curto prazo e a inovação tecnológica salvaguardaria a aglomeração e seus benefícios. Para o economista Joseph Schumpeter, está na inovação a fonte do desenvolvimento econômico, capaz de salvaguardar o capitalismo dos seus ciclos recessivos inerentes. Ao longo da história humana vivemos esses processos inovativos: cidades construídas sobre falhas tectônicas, prédios resistentes a furacões e terremotos, sistema computacional para detecção de ataques aéreos, etc.

No cenário descrito acima, as alterações permanentes feitas no mercado de trabalho implicariam em riscos e custos adicionais à produção das empresas, pelo menos quando o mercado de trabalho for reaquecido. No médio prazo, caso incorram nas instabilidades descritas acima, as empresas deverão voltar às aglomerações de emprego e, possivelmente, pressionarão para cima os preços do m² de escritórios e lajes, uma vez que novas construções tenderiam à estagnação dada a vacância gerada inicialmente, por exemplo.

O distanciamento social que se vive é paliativo, enquanto esperamos por mais uma inovação. Nesse meio tempo, as tomadas de decisões devem ser pensadas em termos de suas complexidades e os seus possíveis reveses, considerando que os comportamentos atuais derivam de um período de crise. Assim, tudo o que se tem por certo é que essa não é a normalidade, apenas uma exceção. O cenário pós-pandemia exige mais do nosso pensamento e capacidade de abstração antes de tomar decisões que podem impactar negativamente a receita, a produção e os ganhos derivados da proximidade espacial no longo prazo.


Texto escrito por: Rodger Barros Antunes Campos

Doutor em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo. Economista Sênior do GrupoZap, Professor do IBMEC-SP e Pesquisador Associado do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São Paulo (NEREUS-USP). O conteúdo dessa publicação expressa a visão do autor e não necessariamente representa a visão das instituições ou de seus membros.

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